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MPRJ apresenta dados sobre Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos
Publicado em Fri Apr 27 16:22:36 GMT 2018 - Atualizado em Tue Nov 13 16:29:39 GMT 2018

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro sediou, nesta quinta-feira (26/04), o evento ‘Diagnóstico do PLID/MPRJ: o Desaparecimento nas Burocracias do Estado’, organizado pela Assessoria de Direitos Humanos e de Minorias (ADHM/MPRJ), Centro de Pesquisas e Inovações (CENPI/MPRJ), Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (SINALID) e Instituto de Educação e Pesquisa (IEP/MPRJ). O encontro foi realizado no auditório do edifício-sede do MPRJ e, além da apresentação do estudo sobre o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID/MPRJ), apontando o perfil dos cidadãos acometidos por este fenômeno social, contou com mesas de debates sobre temas como o desaparecimento forçado promovido por agentes do Estado.

Logo pela manhã, na abertura do encontro, o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, afirmou que o diagnóstico  sobre o PLID/MPRJ, primeira pesquisa entregue pelo CENPI/MPRJ, representa uma nova página na história do Ministério Público fluminense. “Marca o avanço da instituição rumo a uma atuação holística, contextualizada e voltada para o aspecto humano, que tanto nos angustia no cotidiano, mas por vezes acaba encoberto por uma atuação fria, processual, que é da natureza do ambiente judiciário. O que essa pesquisa traz de informação dará aos promotores e procuradores as ferramentas para que possam agir de forma mais técnica. E, ao mesmo tempo, provoca a reflexão sobre a necessidade de humanização da visão sobre muitos problemas enfrentados pela sociedade”, pontuou.

Também participou da abertura do evento a secretária de Direitos Humanos e Defesa Coletiva do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Ivana Farina Navarrete Pena. “A iniciativa pioneira do PLID  já conta com amplo reconhecimento, inclusive, tendo sido premiada por nosso colegiado. Daí o compromisso que assumimos de replicar essa experiência nos MPs estaduais e da esfera da União, para fazer valer o princípio do Estado democrático de direito, com o devido tratamento digno à pessoa humana. Neste campo, o MPRJ tem atuação pioneira e se mostrado um grande parceiro”, disse ela, numa referência à reunião realizada no CNMP, em Brasília, na última terça (24/04), quando o MPRJ ministrou treinamento para as equipes de outros MPs sobre o PLID.

Assessora de Direitos Humanos e Minorias do MPRJ, a promotora de Justiça Eliane de Lima Pereira apresentou números alarmantes. “Nosso país soma cerca de 700 mil desaparecidos nos últimos nove anos e, somente no Estado do Rio, estima-se que ocorram cerca de 500 casos por mês. Por isso, a importância fundamental do PLID, e desse diagnóstico sobre o programa, para compreender seu funcionamento e apontar possíveis caminhos para futuras políticas públicas que tratem do tema desaparecimento. Essa é uma grande conquista do MPRJ. E se a conquista é do Ministério Público, na verdade, é do conjunto de toda a sociedade. O Brasil precisa comprometer-se a respeitar a sua Constituição, as leis que tratam dos Direitos Humanos e os diversos tratados internacionais”, apontou.

Também compuseram a mesa oficial de abertura do evento a procuradora Maria Cristina dos Anjos Tellechea, coordenadora do CENPI/MPRJ, o procurador Rogério Scantamburlo, titular da 2ª Procuradoria de Justiça junto à 6ª Câmara Criminal, e os promotores de Justiça Leandro da Silva Navega, diretor do Instituto de Educação e Pesquisa (IEP/MPRJ), e Pedro Borges Mourão, titular da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Belford Roxo.

Dados do diagnóstico do PLID
Na sequência, um grupo de pesquisadores do CENPI/MPRJ apresentou alguns dados, a partir dos 10.128 registros somados pelo PLID/MPRJ, entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2018. O programa funciona por meio de um banco de dados inteligente, que cruza informações provenientes de diversos órgãos, como o Disque-Denúncia, Detran-RJ, Instituto de Segurança Pública do Estado (ISP-RJ), Ministério da Justiça e as polícias Civil e Militar do Rio, entre outros. 

Thais Lemos Duarte, supervisora técnica do Centro, falou sobre objetivos e conclusões do estudo. “É preciso desconstruir estereótipos em torno do tema, para o aprimoramento da compreensão do desaparecimento como fenômeno heterogêneo e complexo e de naturezas diversas, podendo ocorrer, por exemplo, devido a conflitos familiares, transtornos mentais ou psíquicos, não reclamação de corpos ou mesmo por ação ou conivência de agentes do Estado. Assim, exige políticas públicas específicas para cada uma dessas tipificações, além da adoção de medidas complementares, como o acolhimento familiar e a mediação de conflitos”.

A pesquisa é o passo inicial para a construção de diagnósticos que, por sua vez, servem para fundamentar o planejamento de tais políticas. “Uma das missões do CENPI é promover a transparência pública. Outra é qualificar dados e, a partir daí, a própria atuação do Ministério Público. Com esse conjunto de informações, passa a ser possível fortalecer as virtudes e combater as fraquezas dos procedimentos em curso, para que sejam aperfeiçoados e consigam cumprir seu papel de dar respostas efetivas aos episódios de desaparecimento na sociedade brasileira”, disse Thais.

O perfil dos casos abrangidos pelo relatório foi apresentado por Ramón Chaves, pesquisador do CENPI. “Estatisticamente, 64% dos casos referem-se a cidadãos do sexo masculino. Em linhas gerais, os desaparecidos são homens jovens, na faixa dos 12 a 34 anos, a maioria constituída por negros. Quando analisamos o motivo do desaparecimento, 66% têm causa indeterminada, seguido de motivação por conflitos familiares, perda de contato voluntário e ausência de notificação de óbito, nesta ordem”. Foram apresentados ainda aspectos como circunstâncias de localização e relatos dramáticos das trajetórias de famílias de desaparecidos. Os dados consolidados constam do relatório completo sobre o PLID, documento disponível no site do MPRJ.

Coube à pesquisadora do CENPI Isadora Sento-Sé a fala inicial sobre os casos de desaparecimento forçado – que foi tema de mesa específica, realizada no turno da tarde. “Este fenômeno ganhou muita força, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, em especial durante os regimes ditatoriais. Apesar disso, ele permanece, mesmo após a redemocratização. E acaba sendo registrado nas delegacias como qualquer outro caso de desaparecimento, isto é, sem exigência de abertura de inquérito. Isso, somado à imaterialidade, que é a ausência do corpo, fator típico nestes casos, complica muito qualquer tentativa de elucidação”.

Na sequência, foi realizada a primeira mesa de debates do dia, com o tema ‘Entre a Dor e o Registro: Família, Polícia e Direitos Humanos’, e mediação da pesquisadora Thais Lemos Duarte. Alessandra Valle, inspetora da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA) da Polícia Civil do Rio de Janeiro, apresentou os métodos de trabalho da divisão que, com funcionamento 24h, trabalha na produção de cartazes e divulgação em redes sociais, como procedimentos para o encontro de desaparecidos, além de oferecer tratamento psicológico a seus familiares, em parceria com a Cruz Vermelha. Em breve, novo termo de cooperação técnica, abrangendo ações de assistência social, será assinado com a UniSuam. 

Nesta mesa, o servidor André Luiz de Souza Cruz, gestor técnico do PLID/MPRJ, falou do início do projeto, ainda sob o nome de Programa de Identificação de Vítimas (PIV), em 2010. “A partir de 2014, ampliamos o foco de atuação e passamos a tratar da questão dos corpos não reclamados, trazendo para dentro do MPRJ os familiares desses desaparecidos. E, posso garantir, é impossível não ser impactado pelo drama vivido por essas pessoas, o que só faz aumentar a nossa responsabilidade enquanto instituição pública”. 

Neuza Maria Ferreira Jordão, diretora da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA), falou sobre o trabalho de acolhimento de mães, parabenizou o CENPI/MPRJ pela pesquisa e defendeu a colaboração entre os órgãos ligados ao tema, numa rede que permita a visão e controle nacional da questão. Secretária adjunta de Direitos Humanos de Belford Roxo, Alessandra Batista da Silva falou da ação pioneira desenvolvida, em parceria com o MPRJ, para emissão de identidade biométrica para os cerca de 40 mil alunos da rede pública municipal de ensino. “Os dados apresentados pelo PLID, revelando o alto índice de desaparecimento de crianças e adolescentes na nossa cidade, foram fundamentais para a nossa conscientização, e também a dos pais dos estudantes, sobre a importância deste projeto”, explicou.

A mesa foi encerrada com o depoimento de Luciene Torres, mãe de desaparecida. “Minha filha sumiu em 30 de agosto de 2009, numa simples ida à padaria, bem próxima de nossa casa, em Nova Iguaçu. Ela tinha nove anos. Houve vários relatos de que havia sido vista com um homem de bicicleta, chorando. Muito pouco foi feito pela polícia, em termos de investigação concreta, apesar de nossas constantes reclamações. O pouco que sabemos, fomos nós mesmos que levantamos. Casos de desaparecimento acabam misturados a outros, e ficam pra trás, acabam esquecidos. A Baixada Fluminense, que concentra a maioria das ocorrências, não dispõe de qualquer estrutura de atendimento. A verdade é que os filhos da gente somem e a gente some junto, mas ninguém percebe”, declarou.

Mesas realizadas no turno da tarde
Na retomada do evento, no turno da tarde, foi realizada a mesa ‘Corpos não-reclamados: da identidade à indigência’, com a participação de especialistas como a promotora Eliana Vendramini, coordenadora do PLID do MPSP. “Há anos buscamos estabelecer uma comunicação efetiva entre as 72 unidades do IML no estado de São Paulo, mas ainda não conseguimos. Nem mesmo há comunicação entre as seis unidades da capital e as três categorias de polícia – técnico-científica, militar e civil. A solução para esses problema é uma simples questão de TI. Mas quem paga o alto preço é a população, que às cegas segue na busca por seus desaparecidos”, lamentou, reivindicando que as redes de televisão, enquanto concessões públicas, abracem campanhas regulares de exibição de imagens de desaparecidos.

Participante da mesma mesa, que contou com a mediação do professor Doriam Borges, da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uerj, a promotora Fernanda Nicolau, da 8ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital, apontou o não cruzamento de bancos de dados entre os órgãos públicos como maior empecilho para a localização também no Rio. “Falta fluxo de informação e colaboração entre as estruturas existentes”. Participaram do debate a coordenadora das ações do Projeto de Erradicação do Sub-Registro no TJRJ, Raquel Chrispino, que defendeu a desconstrução de sensos comuns distorcidos sobre o fenômeno (como a tendência de os governos jogarem toda a responsabilidade pelos desaparecimentos sobre as famílias), e a pesquisadora da UFF, Flávia Medeiros Santos, que realizou estudo no IML do Rio para compreender como o Estado gera números tão expressivos de não-identificados. Este trabalho identificou tratamentos desiguais dispensados aos cadáveres e resultou na publicação do livro ‘Matar o Morto’, em 2017.

A última mesa, coordenada pela promotora Eliane de Lima Pereira, tratou do ‘Desaparecimento forçado: dos porões da ditadura à periferia da democracia’, e reuniu três especialistas: o professor do IFRJ, Fabio Araujo, Paula Mendes Lacerda, professora da pós em Ciências Sociais da Uerj, e Michelle Lacerda, sobrinha de Amarildo de Souza e integrante da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. “As mães negras e moradoras da periferia estão no olho do furacão, com grandes chances de perderem seus filhos. E, enquanto não temos respostas, vivemos uma expectativa sem fim, que nos faz descer dos ônibus a cada vez que vemos alguém parecido com nossos desaparecidos passando pela rua”, relatou a familiar do ajudante de pedreiro, torturado e morto por policiais da UPP da Rocinha, em 2013.

Fábio Araujo ressaltou a importância do debate neste momento em que o país vive uma nova escalada da violência política, evidenciada pela execução da vereadora Marielle Franco, em 14 de março. “Vemos o enfraquecimento de direitos e políticas sociais fundamentais. Estamos sob intervenção federal na Segurança e, apesar disso, o desaparecimento segue fazendo parte do quadro da violência urbana no Rio”. Nesse mesmo contexto, Paula Lacerda recordou casos ocorridos em Altamira, no Pará, entre 1989 e 1993, quando meninos foram atraídos por um homem e executados, tendo seus órgãos sexuais arrancados. “Somente após o 14º crime foi possível abrir um inquérito policial. A mais extensa e violenta do país, a cidade, na época, contava só com uma delegacia e uma viatura, sempre sem combustível”. 

Ao final do encontro, a coordenadora do CENPI/MPRJ fez um balanço das atividades. “Este foi o nosso primeiro evento formal, num dia muito feliz que, por coincidência, foi marcado pela publicação no Diário Oficial da resolução que define as estruturas do Centro de Pesquisas. Lidamos com um tema difícil, que trata da dor da ausência, e abrimos nossas portas para receber a sociedade civil, em busca de auxílio. Tivemos casa cheia, com audiência atenta e de perfil diversificado, o que reforça a abrangência do fenômeno do desaparecimento. Creio que o MPRJ conseguiu dar a essas pessoas a resposta inicial necessária, de acolhimento, além de reafirmar seu compromisso de agir diante das demandas apresentadas. O PLID/MPRJ já ajudou dezenas de famílias a encontrar seus familiares. E o diagnóstico divulgado hoje permitirá que possamos qualificar ainda mais este trabalho, além de apontar caminhos para novas políticas resolutivas”, concluiu Maria Cristina dos Anjos Tellechea.

Clique aqui para acessar o relatório completo 

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